GRANDE CHAPADÃO
O Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí, vai
anexar 300 mil hectares de terra a partir de março, tornando-se a maior área de
preservação de caatinga no Brasil. No total, serão mais de 802 mil hectares de
um bioma único no mundo, onde a terra, seca na maior parte do ano, faz surgir
plantas de raízes fortes e profundas e animais resistentes.
A área a ser incorporada é a da Serra Vermelha, uma grande chapada de 4.900 km
quadrados que abriga água que não se vê. Estão nela as nascentes do Rio Piauí,
onde a água só corre nos períodos de chuva, e do Rio Itaueira, onde a calha,
sempre seca, forma um corredor de absorção de toda a chuva que cai na região.
Sem que se aviste a olho nu, este rio sem água, abastece aquele que é um dos
maiores lençóis freáticos do país, o do Vale do Gurgueia, e grandes lagoas
piauienses, como a Lagoa do Rio Grande. O chapadão funciona como uma enorme
esponja. Absorve a água e abastece rios e lagoas da região - explica José
Wilmington Paes Landim Ribeiro, agrônomo que dirige o Parque das Confusões desde
1999.
Para se ter uma ideia, o Vale do Gurgueia inclui poços que jorram água a 60
metros de altura. Conhecidos como 'poços jorrantes', eles foram abertos na
década de 70, quando exploradores perfuraram a região atrás de petróleo e
descobriram ali o líquido bem mais precioso. Sem valor imediato para a descoberta, a água jorrou a céu aberto por 30 anos no
meio do semiárido, conhecido justamente pela carência dela. Só recentemente
foram providenciados registros para conter o desperdício.
Criado em 1998, o Parque Nacional da Serra das Confusões
abrange atualmente, com seus 502.411 hectares, terras de sete municípios -
Jurema, Tamburil do Piaui, Canto do Buriti, Alvorada do Gurgueia, Cristino
Castro, Bom Jesus e Guaribas - este último considerado exemplo da pobreza no
país, por ter o menor PIB per capita, e, por isso mesmo, escolhido para o
lançamento do Programa Fome Zero.
Com a nova área a ser anexada, serão incorporadas partes dos municípios de Bom
Jesus - o maior doador de terra para a ampliação - e Santa Luzia. A delimitação
da área, já negociada entre os governos federal e do Piauí, deve ficar pronta
até o início de março, a tempo de aproveitar uma visita do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva ao estado para que o decreto seja assinado.
A ideia é que o novo perímetro do parque contorne os bolsões comunitários,
evitando desapropriações desnecessárias e pendências por ocupações a serem
indenizadas. Em todo o Nordeste, apenas um parque hoje é maior do que o da
Serra das Confusões. Trata-se do Parque das Nascentes do Rio Parnaíba, com sede
no Piauí e que abrange parte dos estados da Bahia, Maranhão e Tocantins. São
733 hectares. O bioma, porém, é o cerrado.
Outros parques de caatinga são o da Serra da Capivara (Piauí), Catimbau
(Pernambuco), Chapada Diamantina (Bahia) e Cavernas Peruaçu (Minas Gerais).
Juntos, porém, eles somam cerca de 400 hectares, apenas metade da nova área do
Parque Nacional das Confusões
O país está
devendo muito para a proteção da caatinga. É o bioma mais alterado pela ação do
homem e nunca se deu muita importância a ele. Achavam que era um bioma pobre,
sem muito a desvendar - diz Ribeiro.
Com a importância crescente dos temas ligados ao meio
ambiente no planeta, os pesquisadores começaram a perceber que a caatinga,
única no mundo, abriga espécies que nenhum outro lugar é capaz de acolher. Castigada
pelo clima, a flora é rica. São cerca de 930 espécies lenhosas, herbáceas, de
cactos ou bromélias. Nos períodos de seca, as folhas de muitas delas caem justamente
para evitar transpiração e perda de água. As raízes são profundas e
exuberantes, capazes de captar umidade na maior profundidade possível.
A fauna é de bichos fortes. O Carcará, ave de rapina, é uma delas. Os lagartos
que seguem a cor da vegetação para se camuflar durante o inverno e a seca são,
pelo menos, de 47 espécies - sete deles sem pés. A mais recente encontrada está
sendo descrita por pesquisadores da USP e chama-se Calyptommatus confusionibus.
Só de serpentes, são 45 espécies.
Das 18 espécies de aves endêmicas da caatinga, 13 estão presentes do Parque da
Serra das Confusões. Há ainda o veado catingueiro, a onça parda, o tamanduá e o
tatu-bola, muitos na lista de ameaçados de extinção. A caatinga, depois de anos
de esquecimento, tem agora prioridade máxima de preservação para que sua
biodiversidade seja protegida - diz o diretor do parque.